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Isto é Trombetas, onde a floresta range, uiva e chia

O engenheiro de minas José Carlos Soares, 52 anos, tem, todos os dias, do amplo terraço de uma sala de reuniões, uma vista duplamente agradável: o rio Trombetas, belo como sempre, e, no porto privado da empresa que dirige, a Mineração Rio do Norte (MRN), portentosos navios cargueiros a embarcarem bauxita, o minério do qual se extrai a alumina, matéria-prima para a produção do alumínio primário. O Brasil é o sexto produtor mundial de alumina, com faturamento anual de US$ 6 bilhões e participação de 3,4% no PIB industrial.

Nos dias 2, 3 e 4 de junho, quatro desses gigantes de aço estiveram no porto do Trombetas: o Cos Glory, o C. Montalban, o Team Spirit e o C. Souto Maior.

Levaram, nos porões, tudo somado, 193.894 toneladas. Entre o dia 4 e o dia 30 deste junho, outros 23 navios estarão embarcando bauxita, quase um por dia. Cada tonelada bota entre US$ 22 e US$ 27 nos cofres da Mineração Rio do Norte. A produção estimada para este ano é de 14,2 milhões de toneladas, um terço a mais do que as 11 milhões de toneladas do ano passado, quando o faturamento líquido foi de US$ 250 milhões. O Brasil é o terceiro produtor mundial de bauxita, depois da Austrália e da Guiné. A Mineração Rio do Norte responde por 81% da produção nacional.

A empresa está concluindo as obras de expansão, investimento de U$ 230 milhões, que elevou a capacidade instalada para a produção anual de 16 milhões de toneladas - compatível com as ampliações da refinaria de alumina da Alunorte, em Barcarena, a 40 quilômetros de Belém. A terceira linha de produção, que ampliou a capacidade de produção de 1,6 milhões de toneladas/ano para 2,4 milhões, foi inaugurada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 4 de abril passado.

Localizada entre o Trombetas e a Floresta Nacional do Saracá-Taquera, no município de Oriximiná (PA), a 880 quilômetros de Belém, a Rio do Norte já é, 24 anos depois do começo (1979, com 3,3 milhões de toneladas anuais), a maior empresa de mineração de bauxita do mundo.

Construiu, ao longo dos primeiros anos, uma vila bem estruturada de mil casas, onde moram seis mil habitantes, entre eles os 1.100 funcionários com salário médio de R$ 990,00. Há alojamentos para 1.500 pessoas, dois hotéis, escola gratuita até o nível pré-universitário para 1.200 alunos (todos dependentes dos empregados, das empresas contratadas e de parte da população ribeirinha da região), hospital com 32 leitos, UTI, serviços laboratoriais e centro odontológico.

Conta, ainda, com rede de água fluoretada, sistema de tratamento de água potável e tratamento de esgoto, geração própria de energia, limpeza urbana, transporte, boa malha viária, lixo reciclado, sistema de comunicação digital nacional e internacional e um aeroporto com capacidade para operações de Boeing 737. Tudo, enfim, que as cidades da região ainda estão muito longe de ter, inclusive o município de Oriximiná, onde Porto Trombetas está localizada. Lá só se chega de avião (a preços extorsivos, da Varig), ou de barco, a três dias de viagem. Oriximiná está a quatro horas no barco da linha, ou a 90 minutos de lancha voadeira. O cenário - rio, lagos, igarapés e florestas - está entre os mais espetaculares da Amazônia. Quem manda em Porto Trombetas é a Mineração Rio do Norte. É tudo dela. A manutenção da cidade custa US$ 6 milhões anuais. Os moradores pagam centavos simbólicos pelo aluguel e pelos serviços urbanos.

Em dezembro de 2001, a empresa ganhou o cobiçado certificado ISO 14001, de gestão ambiental. A certificadora foi a empresa norueguesa Det Norske Veritas - DNV, que contemplou, na auditoria, todas as atividades operacionais e administrativas da empresa e todas as instalações da infra-estrutura do núcleo urbano de Porto Trombetas. O certificado foi emitido pelo Inmetro. Entre outros prêmios - empresa modelo na área de segurança do trabalho entre as indústrias do setor mineral, por exemplo -, o 14001, válido até o final deste ano, passou a ser a menina dos olhos da Rio do Norte.

Mineiro de Ponte Nova, Soares formou-se engenheiro de minas em 1976. Trabalhou na Docegeo entre 76 e 78, primeiro no sul do Pará e depois em Paragominas. Chegou em Porto Trombetas em 4 de janeiro de 79, exerceu funções de responsabilidade em todas as áreas do projeto e chegou à presidência em maio de 98. 'Estamos mostrando para o mundo todo que é possível explorar bauxita com responsabilidade social e com o mínimo de impacto ambiental', diz.

Uma viagem de lancha voadeira ao Lago Batata, a uma hora do porto do Iate Clube de Porto Trombetas, mostra que a expressão 'mínimo impacto ambiental' é puro exagero. O Batata entrou para a história como alvo de uma das maiores agressões ambientais da história da Amazônia. Ao longo de dez anos, entre 1979 e 1989, a Mineração Rio do Norte despejou, naquela lindeza de 2.100 hectares, coisa de 24 milhões de toneladas de rejeito de bauxita. Elas destruíram completamente o ecossistema de um terço do Batata, aproximadamente 630 hectares. Mataram a vegetação de extensas áreas de igapó - acabando com os ambientes que garantiam a vida animal, aí incluídas espécies de peixe de valor econômico como o tambaqui e o tucunaré.

A camada de bauxita compactada no fundo tem espessura média de 4,5 metros. Há locais em que chega a quase sete metros. Mesmo na época da cheia, como ainda agora, é possível ver o dano de muito perto. A lancha pára no raso. Dá pra ver o vermelho do minério no fundo do Batata. E dá até para descer, com água pelo joelho, enfiar as duas mãos, e trazê-las carregadas da bauxita lamacenta. Não há quem não sinta um aperto n'alma - ainda mais sabendo que a Mineração Rio do Norte nunca sofreu sequer um processo cível ou criminal pela bauxita que lá lançou, por dez anos, continuadamente. 'Estávamos dentro da legislação da época', diz Soares.

Estrago feito e responsabilidade socialmente cobrada, a empresa está investindo para diminuir os prejuízos do impacto ambiental - não só no lago, onde os peixes começaram a voltar e a vegetação dá lentos sinais de retomada, mas no reflorestamento do que é continuamente desmatado. Os números oficiais contabilizam US$ 6,2 milhões com investimentos em meio ambiente até o final do ano passado. Nas contas do diretor-presidente, o investimento total no projeto, englobando tudo, desde 1977, é de US$ 1,5 bilhão.

A primeira providência, no final da década de 80, foi a transferência da planta de beneficiamento do minério. Ela saiu da área do porto, de onde lançava o rejeito no Batata, para a área interna do platô Saracá, onde se fixou e onde centraliza o processamento do minério que sai das três minas hoje em operação - Almeidas, Papagaio e Aviso. O que antes ia para o Batata, passou a ir, canalizado, para os tanques de rejeito. Eles somam, até aqui, impressionantes 731,50 hectares de argila lamacenta. É material morto, onde antes havia a floresta. Em se plantando, nada dá. Ou nada dava. Um considerável investimento em pesquisa está mostrando, em quatro tanques de rejeito, com 102,60 hectares, o surgimento, do nada, de uma vegetação já adensada de espécies leguminosas.

Esse projeto faz parte da preocupação maior, depois do lucro empresarial: o reflorestamento das áreas desmatadas e, também, dos igapós do Batata. Como a bauxita está no solo, a mais ou menos 12 metros de profundidade, é necessário desmatar, sob a autorização e a fiscalização do Ibama, que mantém um escritório em Porto Trombetas.

A Rio do Norte informa que desde o começo do projeto, até maio deste ano, já desmatou 4127,6 hectares, dos quais afirma ter reflorestado 2074,2 hectares, com o plantio de 5.185.500 árvores de 492 espécies. São números cedidos pelo engenheiro agrônomo Alexandre Castilho, 47 anos, especializado em meio ambiente e responsável direto pelo trabalho de recuperação das áreas. Mineiro de Belo Horizonte, está lá desde 92. Exibe, orgulhoso, no horto instalado em 7 mil metros quadrados, milhares e milhares de mudas, de 110 espécies, que irão para as próximas áreas a serem reflorestadas. São 450 mil, diz, mas a capacidade de produção é de 700 mil.

Sementes e mudas são compradas de coletores ou produtores locais, partes deles ribeirinhos do Lago Sapucuá, como Raimundo Rosi dos Passos Costa, 50 anos, nascido e criado por lá. No ano passado, as 13 mil mudas que vendeu à MRN renderam-lhe R$ 13 mil. 'Este ano vai dar mais', diz em sua casa de madeira à beira do lago.

Com sua equipe, Castilho faz o trabalho desafiador de reconstituir o que foi destruído. Sabe que a floresta e o Batata jamais serão o que seriam, mas mostra, nos reflorestamentos mais antigos, que a mata está crescendo e que não é difícil encontrar árvores que já não cabem num abraço - o que mostra ao vivo, sem disfarçar a emoção, enlaçando os braços aos troncos.

Nos igapós mortos do Batata, desafio inédito, Castilho e sua turma transportaram ilhas de capim amarradas em barcos e lanchas, plantando-os lá, tal qual fizeram e vão continuar a fazer, com as mudas de vegetação original, parte delas já grandinha. 'Não é feitiçaria, é tecnologia', brinca. O desmatamento mais recente está ocorrendo no platô do Almeidas, uma das três minas que estão sendo lavradas. O que se vê, lá dentro, é a floresta devastada, os tratores enormes removendo o solo até atingir a camada de bauxita, mais máquinas poderosas escavando e escarificando o minério, caminhões fora-de-estrada, com capacidade de 100 toneladas, levando o minério para o britador. O da Almeidas, gigante, tem capacidade para 3.100 toneladas/hora. Do chão ao topo, há que subir 54 degraus para ver os fora de estrada descarregando o minério bruto na garganta do britador. O da Aviso tem a mesma capacidade.

A lavra chama-se assim, Aviso, porque, ao ser desmatada, a floresta rangeu, uivou e chiou mais do que nas outras áreas. Em, digamos, respeito, a Rio do Norte a batizou de Aviso - e essa é a versão oficial.

A exploração não pára nunca: são, em média, 327 trabalhadores em três turnos. A bauxita que sai dos britadores das três minas é levada para a planta de beneficiamento, no Saracá, por correias transportadoras. Passa por um processo de lavagem, de onde sai o rejeito que vai para os tanques, e retorna às correias transportadoras que a leva para os vagões dos trens. Uma ferrovia de 35 quilômetros os transporta à área do porto, onde o minério passa pelo último processo de beneficiamento até ser embarcado nos navios.

São 65,5 quilômetros de correias transportadoras entre as minas e o porto.

Na área de operações deste, tudo impressiona a quem não está acostumado - a começar do virador de vagões, um complexo de aço e tecnologia que vira de ponta-cabeça cada um deles, sem que seja necessário desatrelá-los da composição. Vão chegando e vão virando. O minério cai numa cone metálico de 16 metros de profundidade - e novamente é distribuído para as correias.

Parte da bauxita vai direto para os navios. Uma outra parte, a que precisa ser seca, para não congelar nos porões dos navios que irão enfrentar o inverno, vai para a planta de secagem, a mil graus, de onde sai para o chamado Bauxitão, o armazém fechado onde as correias depositam montanhas e mais montanhas do produto.

O Bauxitão é, de longe, o local mais inóspito de todo o complexo. Há pó de bauxita por todo o lado - o que de resto se vê em toda Porto Trombetas, não tanto quanto lá, mas sempre presente e, segundo a Mineração, dentro das especificações permitidas. Dentro do Bauxitão, a temperatura é de 45 graus.

Os que trabalham lá dentro, remexendo as montanhas de bauxita, o fazem em tratores com cabines refrigeradas, vedação completa e equipamentos de proteção industrial, também obrigatórios nas áreas operacionais da empresa.

Mesmo assim, é pavoroso.

Mais transparente do que há alguns anos, a MRN que Soares dirige, bem assessorado, não se importa em esclarecer os problemas que têm, desde que apresentados.

Um deles, na Justiça, é uma demanda contra a Receita Federal. Em 2001, ela autuou a Mineração Rio de Norte, em R$ 220 milhões, por ter reduzido seu capital social em 20%, sem recolher Imposto de Renda. Em maio último, a empresa depositou em juízo, corrigidos, R$ 313 milhões, para continuar na lide. 'Vamos até o fim, porque achamos que estamos certos', afirma Soares. O Fisco não concorda. Com a redução do capital, os recursos dos acionistas somam 30%, ou US$ 220 milhões, segundo o diretor de Administração e Finanças, José Adécio Marinho. O resto são benefícios fiscais.

Outro problema, ainda pendente de solução, é com o Ibama. Está exposto, quando se visita as áreas de lavra, nos amontoados de toras de madeira que há dois anos apodrecem ao ar livre, nada menos que 50 mil metros cúbicos. É madeira retirada das áreas mineiradas. Por estar na Floresta Nacional Saracá-Taquera, uma unidade de conservação, ela pertence ao Ibama. Até o ano 2000, a MRN indenizava o Ibama para poder ficar com a madeira. Achando que saía barato, o Ibama propôs, no final de 2001, a revisão dos valores a maior.

A Mineração discordou, bateu o pé, apresentou uma contraproposta. Mais de um ano depois, a madeira continua lá. Depois que a denúncia veio a público, as duas partes sentaram-se, no começo deste mês, para tentar um acordo. Soares acha que o problema já está resolvido - e, finalmente, a MRN deve pagar ao Ibama R$ 1,400,00 por hectare.

Houve problemas, também, durante as obras de expansão, na área mais premiada da empresa - a de segurança no trabalho. Seis trabalhadores de empresas contratadas morreram em acidentes - dois soterrados e quatro vítimas de acidente de trânsito na rodovia que leva às minas. 'Erramos com a falta de rigor na fiscalização das contratadas', assume Adécio Marinho. Os acidentes fizeram que com a MRN contratasse uma empresa especializada para fiscalizar especificamente as empresas contratadas.

Em relação à exploração da bauxita, o impasse maior deu-se no ano passado, quando a Mineração pediu ao Ibama a autorização para a abertura do platô Almeidas, em um castanhal de 2000 hectares, 344 dos quais no topo onde a bauxita está sendo explorada. Essa área rendia, anualmente, às cinqüenta famílias da comunidade Boa Nova, que a exploravam, cerca de 200 hectolitros ou 500 caixas de castanha do Pará, equivalentes a R$ 6 mil anuais - nada desprezíveis considerando a pobreza endêmica do entorno que não se beneficia do projeto. Houve uma grita geral - da Câmara dos Vereadores de Oriximiná, da comunidade Boa Nova e outros semelhantes, do sindicato que congrega os funcionários e de duas dezenas de outras entidades. Diante dos questionamentos, o Ibama convocou uma primeira audiência pública, em 28 de março do ano passado. O sindicato acusou a Mineração de não ter feito a devida convocação pública da audiência - o que a empresa nega. O Ibama anulou a primeira audiência pública. Para a segunda, um mês depois, a empresa se esforçou para esclarecer as conseqüências ambientais e sociais da exploração do depósito de bauxita do Almeidas. Botou no papel, didaticamente, e com farta distribuição, as compensações que oferecia - entre elas a promessa de comprar, das comunidades atingidas, durante todo o ano, as sementes para a produção de mudas que servem ao reflorestamento. As medidas foram aprovadas e a licença saiu. A compra das sementes fornece, aos coletores, um rendimento anual de R$ 20 mil.

Também foi lembrado, no esforço de convencimento, que os royalties e o ICMS da mina do Almeidas renderiam R$ 4,5 milhões a mais para a prefeitura de Oriximiná - que este ano, com a lavra em operação, deve embolsar, para a inveja dos municípios vizinhos, R$ 17 milhões. 'Não temos medo de reconhecer os erros e de aprender com eles', diz o diretor-presidente. O contraponto local da Mineração Rio do Norte é o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Extrativa de Minérios Não-Ferrosos de Oriximiná, filiado à Central Única dos Trabalhadores. 'A empresa evoluiu, e nós também evoluímos', diz o presidente José Assis da Silva, 50 anos, natural de Santarém, e desde 78 em Porto Trombetas. Em plena campanha salarial, o sindicato está pedindo 19% de reajuste e mais uns trocados. A empresa vai oferecer 15,5% e mais um abono de R$ 800,00. Devem fechar o acordo. 'Nossa relação é civilizada e de respeito mútuo', comenta o Boto Branco, um dos apelidos locais de Soares.

Considerando os problemas que a Alunorte, de Barcarena, está tendo com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, ou vice-versa, a Mineração dá graças a Deus. Manoel Maria de Morais Paiva, 45 anos, o presidente que a Alunorte chama da 'radical', teve de tocar um dobrado para ser incluído como convidado oficial na visita que o presidente Lula fez à empresa. Fez bonito, sentou-se ao lado de Lula e recebeu atenção do presidente que ajudou a eleger, inclusive transformando a sede do sindicato, como conta, em comitê eleitoral. Paiva já fez até greve de fome reivindicando vale-refeição. Está proibido de entrar na empresa. O Sindicato dos Químicos acusa a Alunorte e a Pará Pigmentos, produtora da caulim, também da Vale do Rio Doce, de poluição ambiental. No caso da Alunorte, a acusação é a de suposta contaminação no rio Murucupi, causada, segundo o sindicato, pelo vazamento de uma tubulação que despejou sódio e outros elementos químicos no rio. A Alunorte negou e continua a negar a denúncia, com o aval oficial da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia (Sectam), que emitiu laudo técnico dizendo que o problema foi o excesso de chuvas.

Que o sódio foi parar no rio, dá prova uma planilha oficial da Albrás, a empresa coirmã. Em 4 de abril passado, justo no dia da visita de Lula, a planilha de 'Emissão de resultados hídricos' atestou 70.64 miligramas por litro, a montante do ponto de medição. À jusante, 171.80 mg/l. A planilha diz que a água do Murucupi tinha 'cor preta, forte odor, material flutuante e presença de espumas não naturais'. Não quer dizer que a causadora do dano tenha sido a Alunorte, mas, apenas e por enquanto, que houve o dano. O secretário de Ciência e Tecnologia, Gabriel Guerreiro, isentou completamente a empresa e atribuiu a contaminação às chuvas fortes que causaram o refluxo do material orgânico, elevando excessivamente o consumo de oxigênio e matando os peixes. Paiva diz que houve transbordamento dos tanques de rejeito, por uma tubulação defeituosa, mais tarde consertada 'clandestinamente'. 'São acusações totalmente irresponsáveis', diz o diretor industrial da Alunorte, Galib Chaim. 'Já está provado, com o laudo da Sectan, que a Alunorte não teve culpa.' Na parte mais habitada do Murucupi, no bairro Laranjal, moram 29 famílias que viviam da pesca e da mandioca, antes amolecida nas águas do Murucupi. 'O rio está morto', disse a ribeirinha Rita de Nazaré Queiroz Neves, 22 anos, três filhos e mais um a caminho. 'Ninguém pesca, ninguém nada, ficou todo mundo com medo.' A influência do sindicato fez o problema chegar à Previ, o fundo de pensões dos funcionários do Banco do Brasil, o mais forte do país, com hegemonia petista, sócio expressivo da Companhia Vale do Rio Doce. Há preocupações a respeito. O Ministério Público de Barcarena está apurando o acidente, para definir responsabilidades. 'Nossa expectativa é a melhor possível', diz Chaim. 'A nossa também', diz Paiva.

Em Trombetas, a relação é outra. 'O Zé Carlos é muito gente boa e com ele não tem frescura não', elogia José Assis. Integrante do Fórum Carajás, uma associação de ONGs preocupadas com a questão do meio ambiente, Assis já deu seu giro europeu. Esteve, em 2001, na Alemanha, na Áustria e na Holanda, participando de conclaves do Fórum. Elogios à parte, Assis faz críticas, que denomina de 'males sutis': o investimento na área social ainda é pequeno se comparado ao tamanho do lucro; o sistema de tanques de rejeito da área de secagem está drenando bauxita para o Igarapé Água Fria, com prejuízos para a comunidade que o habita; o isolamento da Vila tem aumentado o consumo de álcool, os índices de separação e as brigas em família; o enxugamento da empresa faz com que um trabalhador produza por três; o Lago Batata, embora com sinais de alguma recuperação, jamais voltará a ser o que era.

Soares discorda: o investimento no social é o maior da região e um dos maiores do País; as providências para solucionar o problema do Água Fria já foram tomadas, com a construção, nas obras de expansão, de um sistema de tanques de rejeito que vai conter o vazamento para o igarapé; não existem anormalidades no consumo de álcool e na vida social; o índice de satisfação dos empregados continua em alta; e o lago Batata já teve um atestado científico dos primeiros sinais de recuperação, apresentado no livro Lago Batata - Impacto e recuperação de um sistema amazônico, patrocinado pela MNR, dos doutores biólogos Reinaldo Bozelli, Francisco Esteves e Fábio Roland. Eles fazem parte de equipe da especialistas que estuda e acompanha os impactos ambientais e as providências tomadas para a sua recuperação. Tem gente das universidades federais de Viçosa (MG) e do Rio de Janeiro, pesquisadores do Museu Goeldi e do INPA, e fiscais do Ibama e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Soares se deu bem em Trombetas, onde mora e passa a maior parte do ano envergando o uniforme da empresa, também obrigatório para os demais. Levou a esposa, a bibliotecária Solange Massote, também mineira e funcionária da MRN. Ela administra a biblioteca da escola e dirige a Casa da Memória, museu bem apresentável com a história visual do projeto. Gostam de lá, inclusive na culinária, merecendo destaque os tucunarés saborosos que saem da cozinha do Iate Clube. O diretor-presidente o freqüenta, vez por outra, e não dispensa a cervejinha amiga. Estar lá, ou em qualquer outro dos poucos bares da cidade, que fecham muito cedo, significa, quase necessariamente, estar cruzando com caras e bocas sempre já vistas. Vila pequena, e com muito mais homem do que mulheres, sabe como é que é.

Para os solteiros que queiram companhia, mesmo que paga, existe o localmente muito famoso 45 - um curioso conjunto de casas de madeira a 45 minutos de barco a motor (daí o nome) ou a 25 de lancha voadeira, bem na beira do rio.

Sua especialidade é a difícil vida fácil. Numa conhecida brincadeira que se faz por lá, é o 'Porto dos milagres - onde o amor é real' (de R$ 50,00 para cima). Soares fica mineiramente constrangido ao saber que os de fora ficaram sabendo do 45 e das meninas que fazem a fugaz alegria dos freqüentadores, entre eles parte das tripulações dos navios, sempre um público preferencial, e, como não?, parte da rapaziada da empresa. 'Até nisso a Rio do Norte faz um trabalho social', elogia Assis, o presidente do sindicato. Ele está presente, como Soares confirma, no atendimento médico preventivo e gratuito que é oferecido às meninas do 45. Assis diz que a empresa chegou até a trocar, de graça, preocupada com a saúde dos seus, todos os colchões do bordel fluvial. 'Isso não é verdade', ruboriza-se o diretor presidente.

No balanço positivo que faz do empreendimento, ele destaca, como acertos maiores, o programa de reflorestamento e o sistema educacional. Poderiam ir melhores, e ainda constituem desafio, o programa de desenvolvimento para fornecedores da região, e a regionalização da mão de obra, que precisa aumentar. Em termos de custo, avalia Soares, o problema maior é de logística - os vôos apenas três vezes por semana, os barcos a três dias, as balsas a cinco dias. Só com a Varig, por ano, em passagens, a Mineração gasta US$ 250 mil.

Nos cálculos da MNR, a reserva é de 800 milhões de toneladas, e há bauxita para mais 50 anos de exploração, em Oriximiná e em Terra Santa, município vizinho, onde já se prepara a infra-estrutura para o futuro próximo. Na previsão da empresa, até 2026, daqui a 23 anos, 11.470 hectares terão sido desmatado, dos quais 10.211 estariam reflorestados.

No recém-lançado 'Relatório de responsabilidade social', um bem editado volume propagandístico de 142 páginas, o diretor presidente escreveu: 'Para qualquer empreendimento ser lucrativo, sua sustentabilidade não está apenas na sua força financeira, mas também no comprometimento a longo prazo das ações de responsabilidade social para com a comunidade na qual ela está inserida e na sociedade em geral'. O relatório expõe dezenas de projetos nas área de saúde, educação, meio ambiente, desenvolvimento auto-sustentável e apoio à comunidade.

Um deles, que vai bem, mas poderia ir melhor, é o apoio material a uma escola municipal na comunidade quilombola Boa Vista, a cinco minutos de lancha. Dois outros, que vão mal, estão na mesma comunidade: um lago artificial onde se pretendia que os moradores criassem tambaquis e tartarugas, e uma casa da farinha, onde se imaginava que a produção desse uma renda adicional. Os dois fracassaram, ao que parece porque a comunidade não foi devidamente consultada antes. 'Aprendemos com os erros, e vamos retomar esses projetos', garante Soares. Assis, do sindicato, concorda que a questão do futuro é a que realmente importa. 'Eles estão investindo, sim, o que não deixa de ser uma obrigação, pela riqueza que estão levando. Resta saber até que ponto isso está servindo também à comunidade ou apenas à imagem institucional da empresa.' Quem viver, verá.

Fonte: O Estado de São Paulo
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Publicação: 16/06/2003

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