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a) Desenvolvimento das Superligas de Níquel
Os modernos jatos usados como propulsores de aviões tiveram seu projeto inicial desenvolvido décadas antes do surgimento de materiais adequados para essa aplicação. Já no início do século XX era conhecida toda a teoria mecânica necessária para projetar turbinas de aviões a jato, porém naquela época ainda não se conhecia materiais que pudessem preencher todos os requisitos de resistência à corrosão e ao amolecimento causados por condições muito agressivas em altas temperaturas associadas a esse tipo de aplicação.
O desenvolvimento das chamadas superligas, de níquel, de cobalto e de ferro começou nos Estados Unidos nos anos 1930, porém ao longo dos anos as superligas de níquel tornaram-se as mais utilizadas. Além das turbinas de jatos, as superligas de níquel encontram aplicações variadas em altas temperaturas, como em motores de foguetes e veículos espaciais em geral, reatores nucleares, submarinos, usinas termoelétricas, equipamento petroquímico, por exemplo. Entretanto, a principal aplicação dessas ligas continua sendo seu uso em turbinas de jatos de aviação.
Outros materiais, como ligas de cromo, de outros metais de mais alto ponto de fusão, e cerâmicos refratários, têm sido estudados como possíveis alternativas ao uso das superligas de níquel, porém até o momento, não foi encontrada nestes materiais uma melhor combinação de propriedades requeridas para esse tipo de aplicação do que a atualmente obtida com as superligas de níquel [1,2].
b) Propriedades das Superligas de Níquel
Propriedades Mecânicas
A razão primordial para a existência das superligas de níquel com diferentes composições químicas é a sua excelente resistência mecânica num amplo intervalo de temperaturas. A estrutura cristalina compacta cúbica de face centrada (CFC) da matriz austenítica das superligas de níquel, como já foi comprovado, apresenta grande capacidade de manter resistência à tração, à ruptura e boas propriedades de fluência em temperaturas homólogas muito mais altas do que as ligas de matriz cúbica de corpo centrado (CCC) por causa de vários fatores, incluindo o excelente módulo de elasticidade e a alta difusividade que os elementos secundários possuem nesse tipo de matriz. É de grande importância a grande solubilidade de muitos elementos de liga na matriz austenítica e a capacidade de controle da precipitação de fases intermetálicas como a gama linha, que conferem alta resistência mecânica. O endurecimento também pode ser aumentado pela formação de carbetos e também pela dissolução de alguns elementos na matriz (endurecimento por solução sólida). Essa capacidade de endurecimento dessas ligas austeníticas de níquel, de cobalto e de ferro as torna adequadas para aplicações em turbinas de jato e motores de foguetes, que exigem alta resistência mecânica em média e alta temperatura.
Entretanto, não apenas a resistência mecânica/dureza é importante nesse tipo de aplicações. A dutilidade nas condições de serviço também é importante, e a maioria das superligas apresenta boa dutilidade. As superligas em geral apresentam também boa resistência ao impacto, à fadiga de alto e de baixo ciclo e à fadiga térmica [1].
O níquel puro possui densidade de 8,9 g/cm3, ponto de fusão 1455 ºC, estrutura cristalina CFC (cúbica de face centrada). A densidade da maioria das superligas de níquel fica entre 7,79 e 9,32 g/cm3. Por exemplo, a densidade da Inconel 100 (contém cerca de 60 % de níquel) é de 7,79 g/cm3, devido aos elevados teores de alumínio e de titânio, ao passo que as superligas com altos teores de tungstênio e tântalo chegam a densidades da ordem de 9,07 g/cm3. A densidade é uma propriedade importante para as superligas de níquel, uma vez que a redução da densidade do componente de turbina de jato leva a um aumento das tensões centrífugas, reduzindo a vida útil do componente.
A condutividade térmica do níquel puro é da ordem de 0,089 (W/mm2)/(ºC/mm), portanto superior à do ferro puro (CCC: cúbico de corpo centrado), que atinge somente 0,072 (W/mm2)/(ºC/mm). Porém a condutividade térmica das superligas é muito inferior, da ordem de 10 % desse valores, devido à adição de muitos elementos de liga em elevados teores. O ideal seria obter superligas com maior condutividade térmica, já que isso seria importante para dissipar calor e assim minimizar os gradientes de temperatura, reduzindo então as tensões térmicas e assim a tendência de ocorrer falha por fadiga térmica.
A expansão térmica nas superligas de níquel é menor do que nas ligas ferrosas austeníticas e isso é importante do ponto de vista da aplicação em turbinas de jatos, já que esses componentes são projetados com estreitas tolerâncias dimensionais para operar bem em serviço, além de um baixo coeficiente de expansão térmica contribuir para minimizar as tensões térmicas, minimizando assim a ocorrência de empenamento e fadiga térmica [1].
C) Superligas de Níquel Mais Utilizadas e suas Aplicações
No final de 1941 na Grã-Bretanha foi lançada no mercado a liga Nimonic 75 e pouco depois a liga endurecível por precipitação denominada Nimonic 80. Estas ligas nada mais eram do que modificações da liga já existente contendo 80 % de níquel e 20 % de cromo com adições de titânio e alumínio para viabilizar o endurecimento por precipitação através da formação de precipitados do tipo gama linha, ou seja, de partículas coerentes com estrutura cristalina tipo CFC e composição química do tipo Ni3(Al,Ti).
Nos Estados Unidos o monel (liga níquel-cobre) endurecido pelos precipitados gama linha está em produção comercial desde 1928, e o níquel endurecível por precipitação desde 1934. Desde 1939 começou o desenvolvimento de ligas níquel-cromo-ferro, assim como de tratamentos térmicos de solubilização e envelhecimento de modo a maximizar sua resistência mecânica em alta temperatura. Estas ligas são baseadas no Inconel 600 (que fica em solução sólida em alta temperatura) e envolvem a adição de titânio e de alumínio para obter o efeito de endurecimento por precipitação através da formação de partículas de fase gama linha. A adição de 1 % de nióbio então criou a amplamente usada liga Inconel X-750.
Durante o final dos anos 1940 foram desenvolvidas as ligas Waspaloy e M-252, que se caracterizaram pela adição de molibdênio com duplo efeito de endurecimento por solução sólida e de formação de carbetos. Estas ligas foram então muito usadas na fabricação de palhetas de turbina forjadas. Na verdade, a primeira aplicação de muitas ligas de níquel trabalhadas foi na fabricação de palhetas de turbinas. Mais recentemente estas ligas também passaram a ser usadas na fabricação de outros componentes e algumas ligas foram desenvolvidas especificamente para a fabricação desses outros componentes. Das ligas de desenvolvimento mais antigo, a M-252 permanece em uso na fabricação da estrutura de turbinas, enquanto a liga Waspaloy, desenvolvida inicialmente para a fabricação de palhetas de turbinas, passou a ser usada, de modo bem sucedido, na fabricação de componentes para rodas e de chapas soldadas.
Outras ligas à base de níquel não mencionadas anteriormente também são usadas em forma de chapas para a fabricação de muitos componentes. A liga Hasteloy X é usada como chapa endurecida por solução sólida para a fabricação de cilindros de combustão e revestimentos pós-queimadores numa grande variedade de turbinas. A liga René 41 é utilizada como chapa endurecida por precipitação na fabricação de componentes soldados, embora a soldagem seja complicada e possa apresentar problemas de trincamento no tratamento térmico pós-soldagem. A liga Inconel 718, que contém ferro, apresenta alta resistência mecânica em temperaturas moderadas, assim como boa resistência ao trincamento no tratamento térmico pós-soldagem. Isso é possível através do uso do nióbio como elemento de liga, pois esse elemento possibilita uma cinética de envelhecimento mais lenta do que a observada em ligas que contêm alumínio e titânio. Contudo, a tendência ao superenvelhecimento restringe o uso das ligas endurecidas pelo nióbio a aplicações em temperaturas inferiores a cerca de 705 ºC. A liga Inconel 718 é uma das que contêm cerca de 20 a 50 % de níquel e ferro e portanto são consideradas ligas à base de níquel e ferro.
Outra liga importante dentro deste grupo é a liga Incoloy 901. Estas ligas, assim como outras ligas trabalhadas à base de níquel como Waspaloy e Astroloy encontram sua principal aplicação em discos forjados de turbinas. Essas ligas apresentam alta resistência mecânica nas temperaturas de serviço dos discos de turbinas. A aplicação de materiais com resistência mecânica ainda mais alta permitiria o uso de discos mais finos, reduzindo o peso dos componentes e melhorando o desempenho dos motores. Uma das ligas mais interessantes para essa aplicação é a liga AF2-1DA. Após 11o horas a 650 ºC a liga Incoloy 901 rompe a uma tensão de 634 MPa, a Inconel 718 a 724 MPa, a Waspaloy a 758 MPa, a Astroloy a 903 MPa e a AF2-1DA a 1083 MPa [1].
Ao final dos anos 1950 o aumento das temperaturas de serviço das turbinas era limitado pela capacidade das ligas trabalhadas disponíveis, que, além disso, apresentavam dificuldades no forjamento. Por este motivo, ligas com composição química que permitem mais alta resistência mecânica só podem ser fabricadas por fundição (processo “investimento”, ou seja, por cera perdida). Entre as ligas fundidas mais usadas estão a 713C, a Inconel 100, a B-1900, a Udimet 500, a René 77, a René 80 e a Inconel 738.
A necessidade de desenvolver ligas com melhor resistência à corrosão em altas temperaturas e boa resistência mecânica levou ao aumento do teor de cromo, principalmente no caso da fabricação de turbinas industriais a gás que devem suportar longo tempo de serviço em alta temperatura, resistindo à corrosão a quente. Algumas dessas turbinas podem operar com combustíveis contendo enxofre e vanádio, ou podem ser utilizadas em embarcações, entrando em contato com sais marinhos. Para essas aplicações foram desenvolvidas ligas com melhor resistência à corrosão em altas temperaturas, embora mantendo simultaneamente alta resistência à ruptura por fluência. Exemplos de ligas desenvolvidas com esta finalidade são a Inconel 738, a Mar-M 421, a Udimet 710, e, posteriormente, ligas com maior resistência mecânica mantendo alta resistência à corrosão, como a René 80, a Inconel 792 e a Mar-M 432. A boa resistência à corrosão dessas ligas é obtida pela manutenção de teores de cromo moderadamente altos juntamente com uma razão titânio/alumínio relativamente alta e utilizando-se um balanço cuidadoso de adições de metais refratários. Destas ligas testadas em laboratório as que apresentaram resistência á corrosão em alta temperatura mais elevada foram as ligas Udimet 500 e Inconel 738. Estas ligas são competitivas com superligas de cobalto em termos de resistência à corrosão em alta temperatura. Enquanto a liga Udimet 500 é de desenvolvimento mais antigo e apresenta capacidade de resistência mecânica em alta temperatura (935 ºC) moderada, a liga Inconel 738, desenvolvida mais recentemente, apresenta maior capacidade de resistência mecânica em alta temperatura (980 ºC).
Ligas como a B-1900, a 713C e a Inconel 100 oferecem uma excelente combinação de resistência mecânica em temperaturas intermediárias e elevadas. Inconel 738 e René 80 foram desenvolvidas posteriormente e além de alta resistência mecânica, apresentam excelente resistência à corrosão em alta temperatura. As superligas de níquel fundidas, em geral, oferecem uma ótima combinação de resistência mecânica em altas temperaturas e em temperaturas intermediárias, necessária para a aplicação em palhetas de turbinas. Além disso, apresentam boa dutilidade, resistência à oxidação/corrosão em alta temperatura, estabilidade microestrutural e fundibilidade. Essa combinação de propriedades levou a uma ampla utilização em ventoinhas, rodas e palhetas de turbinas.
O uso do háfnio, em ligas como TRW-NASA VIA e Mar-M 247, melhora a dutilidade em temperaturas intermediárias, embora estas ligas, que apresentam elevada resistência mecânica, possuam resistência à corrosão relativamente baixa. Por outro lado, a liga Inconel 792 combina a alta resistência mecânica da liga Inconel 100 com a excelente resistência à corrosão em alta temperatura da liga Udimet 500.
As tabelas mostradas a seguir apresentam dados de composição química e de resistência mecânica das superligas de níquel mais utilizadas [1].
Tabela 1.1 – Composição Química de Superligas de Níquel Fundidas.
Liga | Ni | Cr | Co | Mo | W | Ta | Nb | Al | Ti | C | B | Zr | Outros |
713C | 74 | 12,5 | --- | 4,2 | --- | --- | 2,0 | 6,1 | 0,8 | 0,12 | 0,012 | 0,10 | --- |
713LC | 75 | 12,0 | --- | 4,5 | --- | --- | 2,0 | 5,9 | 0,6 | 0,05 | 0,010 | 0,10 | --- |
B-1900 | 64 | 8,0 | 10,0 | 6,0 | --- | 4,0 | --- | 6,0 | 1,0 | 1,0 | 0,015 | 0,10 | --- |
FORD 406 | 60 | 6,0 | 10,0 | 1,0 | 8,5 | 6,0 | 2,0 | 4,5 | 2,0 | 0,13 | 0,018 | 0,06 | --- |
Inconel 100 | 60 | 9,5 | 15,0 | 3,0 | --- | --- | --- | 5,5 | 4,2 | 0,18 | 0,014 | 0,06 | 1,0 V |
Inconel 162 | 73 | 10,0 | --- | 4,0 | 2,0 | 2,0 | 1,0 | 6,5 | 1,0 | 0,12 | 0,020 | 0,10 | --- |
Inconel 731 | 67 | 9,5 | 10,0 | 2,5 | --- | --- | --- | 5,5 | 4,6 | 0,18 | 0,015 | 0,06 | 1,0 V |
Inconel 738 | 61 | 16,0 | 8,5 | 1,7 | 2,6 | 1,7 | 0,9 | 3,4 | 3,4 | 0,17 | 0,010 | 0,10 | --- |
Inconel 792 | 61 | 12,4 | 9,0 | 1,9 | 3,8 | 3,9 | --- | 3,1 | 4,5 | 0,12 | 0,020 | 0,10 | --- |
M22 | 71 | 5,7 | --- | 2,0 | 11,0 | 3,0 | --- | 6,3 | --- | 0,13 | --- | 0,60 | --- |
MAR-M20060 | 60 | 9,0 | 10,0 | --- | 12,0 | --- | 1,0 | 5,0 | 2,0 | 0,15 | 0,015 | 0,05 | --- |
MAR-M200DS | 60 | 9,0 | 10,0 | --- | 12,0 | --- | 1,0 | 5,0 | 2,0 | 0,13 | 0,015 | 0,05 | --- |
MAR-M246 | 60 | 9,0 | 10,0 | 2,5 | 10,0 | 1,5 | --- | 5,5 | 1,5 | 0,15 | 0,015 | 0,05 | --- |
MAR-M421 | 61 | 15,8 | 9,5 | 2,0 | 3,8 | --- | 2,0 | 4,3 | 1,8 | 0,15 | 0,015 | 0,05 | --- |
MAR-M432 | 50 | 15,5 | 20,0 | --- | 3,0 | 2,0 | 2,0 | 2,8 | 4,3 | 0,15 | 0,015 | 0,05 | --- |
NX188DS | 74 | --- | --- | 18,0 | --- | --- | --- | 8,0 | --- | 0,04 | --- | --- | --- |
René 77 | 58 | 14,6 | 15,0 | 4,2 | --- | --- | --- | 4,3 | 3,3 | 0,07 | 0,016 | 0,04 | --- |
René 80 | 60 | 14,0 | 9,5 | 4,0 | 4,0 | --- | --- | 3,0 | 5,0 | 0,17 | 0,015 | 0,03 | --- |
SEL | 51 | 15,0 | 22,0 | 4,5 | 4,5 | --- | --- | 4,4 | 4,4 | 0,08 | 0,015 | --- | --- |
SEL-15 | 58 | 11,0 | 14,5 | 6,5 | 1,5 | --- | 0,5 | 5,4 | 2,5 | 0,07 | 0,015 | --- | --- |
TAZ-8A | 68 | 6,0 | --- | 4,0 | 4,0 | 8,0 | 2,5 | 6,0 | --- | 0,12 | 0,004 | 1,00 | --- |
TRW-NASA VIA |
61 | 6,1 | 7,5 | 2,0 | 5,8 | 9,0 | 0,5 | 5,4 | 1,0 | 0, |