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O enriquecimento superficial de carbono nos aços, proporcionado pela cementação, visa produzir uma superfície de alta dureza e resistência ao desgaste, suportada por um núcleo tenaz. Em princípio, inúmeros tipos de aços apresentam condições satisfatórias para esse fim. É preciso considerar, entretanto, que a cementação exige tratamento térmico relativamente complexo, de modo que a seleção de aço para peças cementadas não pode ser feita baseada somente na aplicação final do material, mas também tendo em vista o tratamento térmico que vai sofrer. De início, dois fatores básicos devem ser levados em conta ao se escolher um aço para cementação:
- Meio de esfriamento a ser usado na têmpera após a cementação.
- Tipo e grau de tensões a que as peças poderão estar sujeitas.
- Meio de esfriamento
As principais variáveis a serem aqui consideradas são: forma e secção das peças e distorção ou empenamento tolerável. Os meios usualmente empregados na cementação são água ou soluções aquosas e óleo. Os primeiros são os mais drásticos e são empregados quando as peças são de forma simples ou apresentam secções apreciáveis e também quando a possibilidade de empenamento é menor. Além de se caracterizarem pela alta velocidade de esfriamento, esses meios são de baixo custo e facilitam a limpeza final das peças. O óleo é recomendável quando as peças apresentam secções complexas ou finas, as quais são mais suscetíveis ao empenamento ou mesmo à ruptura na têmpera.
É evidente que, em qualquer caso, a velocidade de esfriamento deve permitir a obtenção da dureza superficial desejada e as propriedades convenientes de tenacidade e resistência do núcleo. Neste caso, a velocidade crítica de esfriamento do aço, ou seja, o tipo de aço a ser usado constitui fator preponderante. Quando a única exigência é a máxima dureza superficial, a escolha recairá num aço de baixo carbono sem ou com teores de elementos de liga e em água ou preferivelmente soluções aquosas, como meio de têmpera, desde, é claro, que o formato e as dimensões das peças sob cementação forem tais que haja probabilidade de ruptura ou empenamento pela utilização de um meio drástico de esfriamento, a escolha recairá em óleo, como meio de têmpera, e num aço apresentando teores convenientes de elementos de liga, para que sua velocidade crítica de esfriamento produza endurecimento satisfatório com emprego do meio têmpera mais brando. Esses aços, com teores apreciáveis de elementos de liga, são também vantajosos sob o ponto de vista de propriedades finais do núcleo.
- Tipo e grau de tensões
As variáveis que aqui entram em jogo são principalmente: espessura e estrutura metalográfica da camada cementada, propriedades mecânicas do núcleo e característicos da zona de transição.
- Camada cementada – Em linhas gerais pode-se dizer que dois tipos de camadas cementadas são usados: hipereutóide, quando se visa em primeiro lugar alta resistência ao desgaste; eutetóide ou ligeiramente hipoeutóide, quando o requisito importante da superfície endurecida for tenacidade, visto que um rendilhado de carboneto livre intergranular presente nos aços hipereutetóides é mais propício para conferir fragilidade.
No caso da aplicação em que o desgaste é fator importante, deve-se procurar igualmente a produção de uma camada com espessura razoável, pois com isso se prolonga a vida das peças.
Sob o ponto de vista de dureza e resistência da camada cementada, a introdução de elementos de liga pouco afeta essas propriedades. Entretanto, os elementos de liga parecem influir no teor de carbono dessa camada assim como na sua profundidade (169). Assim é que os elementos formadores de carbonetos, principalmente o cromo e o molibdênio (manganês também, embora em menor escala) tendem a produzir carbono elevado na superfície: os elementos formadores de ferrita, como silício e níquel (este em altos teores) tendem a produzir baixo carbono. Por outro lado, a espessura da camada cementada e o gradiente de carbono dependem da difusão do carbono, a qual por sua vez é afetada principalmente pela temperatura e pelo tempo. Vários autores admitem também que os elementos de liga possam influenciar a profundidade de cementação e a velocidade de penetração do carbono na superfície.
Outra opinião mais ou menos generalizada é que a tenacidade da camada cementada pode ser melhorada pela presença de certa quantidade de austenita residual, embora a dureza superficial seja prejudicada. A austenita pode ser retida por têmpera direta em muitos tipos de aço para cementação, principalmente quando o teor de carbono superficial é elevado. A tendência à formação da austenita residual é acentuada por teores mais elevados de elementos de liga (além do carbono mais alto), pela temperatura de têmpera e pelo emprego de óleo como meio de esfriamento, em lugar da água.
Lembre-se que a temperatura de revenido para os aços cementados é geralmente baixa, de 150 graus C (ou menos) a 175 graus C, de modo a reter a estrutura martensítica dura; na realidade, há passagem da martensita tetragonal à martensita cúbica. De qualquer modo, as temperaturas mencionadas não são suficientes para eliminar a austenita retida, quando esta estiver presente.
O efeito aparentemente benéfico da austenita retida parece provir do fato dela produzir como que uma ação de amortecimento, o que diminui as tensões internas ou mesmo a formação de verdadeiras fissuras nas agulhas de martensita. Nessas condições, a resistência à fadiga também deveria ser melhorada pela presença de austenita retida. Convém, entretanto, esclarecer que as vantagens ou desvantagens da retenção da austenita não estão ainda claramente explicadas (*).
- Núcleo – Aparentemente deve-se procurar produzir um núcleo o mais possível tenaz. A importância da tenacidade do núcleo parece ter sido exagerada. De fato, nada adianta um núcleo excepcionalmente tenaz, se existir uma fissura na camada superficial rica em carbono, pois essa fissura propagar-se-á através do núcleo, por mais tenaz que ele seja. Conclui-se que parece ser muito mais importante produzir uma camada cementada muito dura e convenientemente suportada. A menor importância que se têm dado à tenacidade do núcleo tem permitido substituir os aços com 0,1% de carbono pelos de 0,2% de carbono, que são mais facilmente usináveis.
- Zona de transição – O ideal é produzir-se uma zona de transição gradual, a qual proporcionará o melhor suporte para a camada cementada. Duas variáveis afetam a quantidade da zona de transição: difusão e estrutura. Se a difusão for insuficiente, produzir-se-á uma zona de transição muito viva, que favorecerá o lascamento da superfície. Com difusão constante, a resistência da zona de transição dependerá da sua estrutura que pode ser ferrita, perlita ou bainita.
Por outro lado, quanto maior temperabilidade do aço, tanto mais resistente a zona de transição. Uma das razões do emprego de aços-liga para cementação seria essa. Também a adição de boro é muito eficiente na produção de uma zona de transição mais gradual e mais resistente.
Em resumo: o melhor suporte da camada é dado por uma zona de transição gradual e resistente; sob esse aspecto, quanto maior for a temperabilidade do aço, tanto melhor. Daí uma das principais razões de se empregar aços-liga para cementação e o motivo pelo qual se tende à utilização de aços com carbono mais elevado; com isso, além de se melhorar o suporte da camada cementada, produz-se também núcleos mais resistentes. A não ser que essas condições de serviço exijam uma camada cementada muito espessa, prefere-se camadas relativamente finas, com núcleos de carbono mais elevado, portanto mais resistente e que dão melhor suporte à superfície endurecida.
(*)Durante a última guerra mundial, utilizou-se na Alemanha para certas peças cementadas muito sujeitas ao desgaste, empregadas em metralhadoras (169), aço de alto níquel e alto cromo, apesar da escassez de Ni existente no país. Esses aços apresentavam 3-1/3% a 4-1/2% de Ni; ½% a 1-1/2% de Cr e 0,05 a 0,20 de Mo; em engrenagens cementadas para serviço pesado em motores de avião, usaram-se aços semelhantes, com mais Mo, até 0,35%, Ni reduzido a 2% e Cr elevado para 2%. Admite-se que o emprego de tais aços teria sido motivado pelo fato do Ni assegurar a retenção da austenita na camada cementada; o Cr, por sua vez, contribuiria para conferir profundidade de endurecimento e estabilizar a cementita de modo a contrabalancear a tendência do aço a grafitizar devido ao alto teor de Ni presente e o Mo evitaria a fragilidade de revenido.